segunda-feira, março 31, 2014

Como é que hei-de te esquecer?

Como é que hei-de te esquecer? Como é que isso se faz? Dou voltas e contravoltas, por entre estas madrugadas em branco, sem nunca chegar a nenhuma resposta... Acabo sempre exactamente onde comecei. Em ti. No teu rosto bem-parecido. Na tua pele morena embebida em água salgada. No teu encolher de ombros discreto. Na forma como fumavas os teus cigarros com o café puro. (...) Todos os caminhos do meu pensamento vão levar-me a ti. Só não percebo porque é que os caminhos da minha vida não fazem o mesmo.

Como é que hei-de te esquecer? Tu, quem mais me deu tanto para relembrar. Tu, que tanto fizeste o meu coração bater em uníssono com o teu. Tu, que me marcaste de todas as maneiras: ao longo do peito e à flor da pele. Tu... Eu não me imagino a mim sem ti.

Como é que hei-de te esquecer? Quando tu estás presente nas minhas palavras magoadas. Na minha desconfiança. Nas minhas músicas preferidas. Nos lugares que mais bem conheço. Nas minhas maçãs-do-rosto ainda húmidas de lágrimas. Lágrimas essas que até sabem a ti, de tanto as provocares. Como é que hei-de deixar alguém ir, quando eu própria já sou tanto esse alguém? Como é que isso se faz?

Como é que hei-de te esquecer? Quando tudo o que fomos parece que foi ontem? Quando todo o tempo perde toda a sua importância mal venhas ao meu encontro? Quando todas as minhas perguntas são dirigidas a ti? Quando todas essas são deixadas sem resposta? Porque é que não me respondes? Será que te estou a pedir demais? Mas como posso estar a pedir-te demais, se tu sempre foste “o mais” na minha vida?

Como é que hei-de te esquecer? A primeira vez que me agarraste a mão, sem eu estar a espera. A primeira vez que me beijaste, à chuva, sem sequer pedires permissão. A primeira vez que me mandaste embora de vez. A primeira vez que voltaste atrás nas tuas palavras. A primeira vez que disseste que me amavas, com aqueles olhos teus de quem tem medo disso mesmo. (...) Como se esquece a última vez que alguém te deu uma primeira vez? Como se esquece esse alguém? Como é que hei-de te esquecer?

Como é que hei-de te esquecer? Eu juro-te que estou a tentar. Dia após dia, eu tento e tento e tento. Mas parece que quanto mais tento, mais me lembro. E quanto mais me lembro, mais me perco como num barco sem remos. E, ao dar por mim, estou como estou agora: só a lembrar-me de ti, que até me esqueci que estava a tentar esquecer-te.

(...) Como é que me esqueceste? Ignora toda as minhas outras perguntas. Responde-me apenas e agora: Como é que me esqueceste? Será que não te marquei o suficiente? Será que não passei de mais um alguém que por ti passou? Ignora essas questões todas e diz-me só como me esqueceste. Ou será que queres que eu fique aqui a amar-te e a lembrar-te de nós sozinha? É isso que tu queres? (...)

Que vida é esta que me deixaste, com a tua ida? Uma vida amaldiçoada por um vazio ensurdecedor, que só a tua voz seria capaz de calar. Mas tu não vais voltar. Desta vez, tu não voltas mesmo. E agora? Que há-de ser de mim? Que há-de ser da minha boca, que jamais na tua se poderá perder em beijos? Que serão dos meus braços, se jamais te poderão agarrar? Que será do meu coração – magoado, repleto de cicatrizes -, condenado a nunca mais bater da mesma maneira? E agora? Que vida é esta que me deixaste? Porque é que me deixaste? Como é que hei-de te esquecer?


(...) Talvez nunca te esqueça. Talvez seja melhor não. Talvez seja melhor lembrar-me de tudo. Lembrar-me de toda esta história trágica e mágica que passei do teu lado, e lembrar-me a mim mesma para nunca mais voltar a passar por algo assim. Porque histórias destas deixam-nos sempre sem nada e sem nós mesmos... Injustas, avassaladoras, desgastantes... E quem raio quer passar por isso duas vezes?
 
(...) Talvez seja melhor não te esquecer. Assim, se alguma vez me aparecer alguém parecido contigo, eu vou conseguir lembrar-me de ti e fugir a sete pés imediatamente.

sábado, março 29, 2014

Disseste-me que éramos como o Sol e a Lua.

Talvez seja verdade. Talvez não tenhamos sido mais do que um daqueles tipos de amor: destinados a apaixonarem-se, mas não a ficarem juntos. Um amor impossível, quiçá. Mas como poderíamos não ser possíveis, se existimos? Eu sei que fomos reais, algures, nem eu sei bem onde. Mas fomos. Eu beijei-te. Uma e outra vez, até te passar a certeza de que era ao meu lado que tu pertencias. Adormecemos tantas vezes juntos. E, assim, também acordávamos, no dia seguinte. Então, o que nos aconteceu? Diz-me. Foi o medo, não foi? Andavas sempre com ele contigo. E eu dizia-te uma e outra vez: que medo também eu tinha. Mas que amar significa mantermo-nos seguros. Tu nunca compreendeste o que te dizia. E acabavas por tentar proteger-te de mim, em vez de te protegeres comigo. Refugiavas-te. Fugias-me. Mandavas-me embora. E eu ia. Depois, quando me chamavas, eu voltava. Bastava dares-me as indicações que quisesses, e eu seguiria contigo ou sem ti, fosse qual fosse a tua vontade. 

E, por isto, te digo: talvez nunca fomos feitos para ficar juntos, como naquelas histórias que os nossos pais nos contavam em crianças, nas noites malvadas enquanto o sono não vinha. Não. Quiçá, ao invés, estejamos destinados a amar-nos em silêncio e às escuras, como naquele jogo das escondidas, que tu tanto gostavas de jogar. E que eu nunca compreendi. Que sentido é que faz? Mandavas-me esconder-me de ti, para depois vires à minha procura. Mas, ao encontrares-me, tinhas de ser tu o que se esconde e eu a que te procura. Que sentido é que isso faz? 

Numa noite, disseste-me que seríamos sempre como o Sol e a Lua. E eu fiquei confusa, mas deixei-te continuar. Disseste-me que eles se amavam, em segredo, porque ninguém era capaz de compreender como duas coisas tão contrárias eram capazes de se amar. Mas eles não se importavam. Continuavam a fazê-lo por não saberem fazer outra coisa. O Sol morria todos os dias, ao final da tarde, para que a Lua pudesse viver as suas noites. Cruzavam-se longe dos olhares do Mundo, na linha do horizonte. Trocavam um beijo de como quem se despede para sempre, porque, na verdade, nunca nenhum deles partia com a certeza de voltar. Mas voltavam sempre. Levasse o tempo que levasse. E assim iam vivendo aquilo a que chamam de Amor. Por muito que lhes ferisse. Por muito que lhes tirasse tanto. Por muito que não fizesse qualquer sentido. 


De lágrimas nos olhos, senti pena do Sol e da Lua que tanto se amam, que tanto se cruzam, mas só por breves momentos; nunca destinados a ficarem juntos para sempre. A terem todos os beijos que quisessem trocar. A abraçarem-se as vezes todas que lhes apetecesse. Que Mundo injusto esse, pensei para mim mesma. 

E, aí, tu disseste-me para não chorar. Disseste-me que eles teriam sempre o Eclipse Solar. Aquele acontecimento raro e extraordinário, em que ambos se juntam, em simultâneo, nos céus, deixando o Mundo em plena escuridão, pois toda a sua luz passaria a existir só para eles os dois. E, aí, permaneceriam juntos, sem ninguém ver, sem ninguém saber, a amarem-se, a beijarem-se e a saborearem aquele momento fugaz que lhes bastava para acreditarem que não existem Amores impossíveis. 

Aquele momento”, dizias-me, “é o único para sempre de que eles precisavam.” E depois beijavas-me a testa calada e, em seguida, os meus lábios trémulos. “Porque esse ninguém lhes tira.” 

Ainda hoje me pergunto se aquele momento foi o nosso para sempre. Nem dei por ele a passar.

sábado, março 22, 2014

Todos começamos como estranhos.

É tão estranho amar-te. Mais estranho foi como tudo começou. Com tantas pessoas naquela multidão, foste tu que, sem fazer absolutamente nada, me prendeste a atenção. E eu, de tão estranha que sou, fui-me aproximando de ti. Mas ao chegar ao teu lado, apercebi-me que não tinha nada para dizer. Nem te conhecia. Eras um estranho qualquer. Agora? Agora estou aqui a amar-te e é tão estranho. 

Acho estranho a forma como olhas para mim, como se eu fosse mais do que aquilo que mostro ao Mundo. Como se conseguisses ver todos os meus lados, até os que tão bem aprendi a esconder. Acho estranho a forma como me sussurras ao ouvido um doce “tenho saudades tuas”, apesar de eu estar mesmo ao pé de ti. Acho estranho a maneira como procuras sempre entrelaçar os teus dedos com os meus, mesmo que não te dê jeito. Acho ainda mais estranho o jeito como tu gostas de mim, sem pedir mais nada em troca, a não ser o meu amor. 

É tão estranho amar. É tão estranho teres alguém do teu lado a adorar-te nos momentos em que mais te odeias. Alguém capaz de, por meio de um mero gesto ou palavra, iluminar os teus dias, ou deitar-te abaixo por completo. Alguém que conhece todas essas coisas que fazem de ti o que tu és, e que por mais assustadoras ou estranhas que sejam, continua a amar-te por seres tu. É tão estranho amares-me por aquilo que genuinamente sou. Nunca pensei que fosse possível. 

Eu não sei querer-te melhor do que quero agora, porque nunca quis ninguém assim. E, muitas vezes, nem sei o que te dizer quando me abordas com palavras leves como penas e doces como caramelo. Porque é-me tudo tão estranho... Foi como me disseste, numa das nossas noites a sós: “Habituaste-te a ter de derramar o que sentes para o papel... Mas agora tens-me a mim a ouvir-te.” E isso é mesmo muito estranho, porque nunca tive ninguém tão afim de escutar tudo aquilo que tenho a dizer. Por mais estranho que soe. Por mais idiota que pareça. Nunca tive ninguém tão merecedor das minhas palavras como tu. 

Sempre vivi por meio de letras. Sempre amei no papel, para o papel. Sempre sofri em silêncio entre palavras e paredes. Sempre fui incapaz de falar, de declarar o que sinto boca a boca. E, no entanto, ao teu lado, tenho vindo a aprender a viver e a respirar o Amor. A conversar acerca dele, a senti-lo, sem ter de o escrever. E é estranho – oh, se é! -, mas tu dás-me a coragem de me habituar a isso mesmo. À estranheza do Amor como nunca o conheci. 

É tão estranho amar-te, mas sinto-me cada vez mais capaz de o fazer. E há quem diga que sempre fui uma rapariga estranha... e é verdade. Mas tu foste o primeiro a aprender a amar-me por isso mesmo. Começaste como um estranho numa multidão. Agora és o estranho que eu tanto adoro, e que tanto tenho adorado conhecer. 

Então, e se continuássemos a ser estranhos juntos?