Como é que hei-de te esquecer? Como é que isso se faz? Dou
voltas e contravoltas, por entre estas madrugadas em branco, sem nunca chegar a
nenhuma resposta... Acabo sempre exactamente onde comecei. Em ti. No teu rosto
bem-parecido. Na tua pele morena embebida em água salgada. No teu encolher de
ombros discreto. Na forma como fumavas os teus cigarros com o café puro. (...)
Todos os caminhos do meu pensamento vão levar-me a ti. Só não percebo porque é
que os caminhos da minha vida não fazem o mesmo.
Como é que hei-de te esquecer? Tu, quem mais me deu tanto
para relembrar. Tu, que tanto fizeste o meu coração bater em uníssono com o
teu. Tu, que me marcaste de todas as maneiras: ao longo do peito e à flor da
pele. Tu... Eu não me imagino a mim sem ti.
Como é que hei-de te esquecer? Quando tu estás presente nas
minhas palavras magoadas. Na minha desconfiança. Nas minhas músicas preferidas.
Nos lugares que mais bem conheço. Nas minhas maçãs-do-rosto ainda húmidas de
lágrimas. Lágrimas essas que até sabem a ti, de tanto as provocares. Como é que
hei-de deixar alguém ir, quando eu própria já sou tanto esse alguém? Como é que
isso se faz?
Como é que hei-de te esquecer? Quando tudo o que fomos
parece que foi ontem? Quando todo o tempo perde toda a sua importância mal venhas
ao meu encontro? Quando todas as minhas perguntas são dirigidas a ti? Quando
todas essas são deixadas sem resposta? Porque é que não me respondes? Será que
te estou a pedir demais? Mas como posso estar a pedir-te demais, se tu sempre foste “o
mais” na minha vida?
Como é que hei-de te esquecer? A primeira vez que me
agarraste a mão, sem eu estar a espera. A primeira vez que me beijaste, à
chuva, sem sequer pedires permissão. A primeira vez que me mandaste embora de
vez. A primeira vez que voltaste atrás nas tuas palavras. A primeira vez que
disseste que me amavas, com aqueles olhos teus de quem tem medo disso mesmo.
(...) Como se esquece a última vez que alguém te deu uma primeira vez? Como se
esquece esse alguém? Como é que hei-de te esquecer?
Como é que hei-de te esquecer? Eu juro-te que estou a
tentar. Dia após dia, eu tento e tento e tento. Mas parece que quanto mais
tento, mais me lembro. E quanto mais me lembro, mais me perco como num barco
sem remos. E, ao dar por mim, estou como estou agora: só a lembrar-me de ti,
que até me esqueci que estava a tentar esquecer-te.
(...) Como é que me esqueceste? Ignora toda as minhas outras
perguntas. Responde-me apenas e agora: Como é que me esqueceste? Será que não
te marquei o suficiente? Será que não passei de mais um alguém que por ti
passou? Ignora essas questões todas e diz-me só como me esqueceste. Ou será que
queres que eu fique aqui a amar-te e a lembrar-te de nós sozinha? É isso que tu
queres? (...)
Que vida é esta que me deixaste, com a tua ida? Uma vida amaldiçoada
por um vazio ensurdecedor, que só a tua voz seria capaz de calar. Mas tu não
vais voltar. Desta vez, tu não voltas mesmo. E agora? Que há-de ser de mim? Que
há-de ser da minha boca, que jamais na tua se poderá perder em beijos? Que serão
dos meus braços, se jamais te poderão agarrar? Que será do meu coração –
magoado, repleto de cicatrizes -, condenado a nunca mais bater da mesma
maneira? E agora? Que vida é esta que me deixaste? Porque é que me deixaste? Como
é que hei-de te esquecer?
(...) Talvez nunca te esqueça. Talvez seja melhor não.
Talvez seja melhor lembrar-me de tudo. Lembrar-me de toda esta história trágica
e mágica que passei do teu lado, e lembrar-me a mim mesma para nunca mais
voltar a passar por algo assim. Porque histórias destas deixam-nos sempre sem
nada e sem nós mesmos... Injustas, avassaladoras, desgastantes... E quem raio
quer passar por isso duas vezes?
(...) Talvez seja melhor não te esquecer. Assim, se alguma
vez me aparecer alguém parecido contigo, eu vou conseguir lembrar-me de ti e
fugir a sete pés imediatamente.
Excelente texto. Palavras que nos fazem pensar e repensar alguns momentos das nossas vidas. A mim pessoalmente fez repensar, relembrar e reviver certas alturas, certos acontecimentos vividos por mim. Fantástico trabalho. Muitos parabéns e continua que tens muito talento.
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