segunda-feira, agosto 10, 2015

PASSEI POR TI, E NÃO TE VI


A parte pior de perder alguém que já nos significou imenso é, a meu ver, o depois do fim. É aquele momento fatídico em que passamos por essa pessoa na rua, ao acaso, e somos assoberbados por todas as memórias que partilhámos com ela. E, aí, temos de virar a cara e agir como se nem a conhecêssemos de todo. Quando, na verdade, somos quem a melhor conhece.

É tão estranho ter de encarar alguém como se nem passasse de um desconhecido qualquer. Desconhecido, esse, que quase sabemos de cor. Os seus medos, os seus sonhos e as suas histórias - muitas dessas que partilhámos do seu lado. O problema é que, quando tudo acaba, as recordações permanecem e atingem-nos como agulhas. Aquele alguém que ali se encontra, e que nos ignora, e que nós ignoramos de volta, já nos foi tanto - senão tudo. E agora?

Agora, não passas de um estranho. Um estranho que, outrora, adormecia no meu colo. Um estranho que, um dia, era o primeiro a saber tudo de mim. Era quem lá estava sempre e em primeiro lugar. Agora? Agora passo por ti e nem te vejo, de tão distantes que estamos. Se dói? Mais do que nunca. De todas as vezes, muita é a minha vontade de ir ao teu encontro e abraçar-te apenas. Arrumar as mágoas nos bolsos e segurar-te, para que tudo voltasse ao que era.


Mas as coisas não funcionam assim - talvez. Quem me conhece sabe que nunca deixo o orgulho apoderar-se de mim. Mas, neste caso, nem se trata disso, mas sim da minha dignidade. Essa, que tanto se rebaixou por ti. Essa, que deixaste de respeitar e de ter em conta. E eu não mereço isso de quem adoro. Porque quem me merece na sua vida, sabe como me deve tratar. E tu esqueceste-te de como o fazer.

A parte pior de ter-te perdido por completo desta vida, é ter de passar por ti nos locais que tão bem conhecemos juntos e fingir que não te vejo. Mas eu vejo-te sempre. Eu olho de soslaio para que não repares. E assim que vou a um sítio que costumava ser tão nosso, saboreio-te como sangue na minha boca. Pergunto-me, hoje, se também tu sentes o mesmo.

A verdade é que eu acredito veemente que nem te importas. E que, para ti, também já só sou uma estranha qualquer. É isso que te demonstro, também. É isso que transpareces. Que triste, não é? Nem um nem o outro alguma vez saberá a verdade. Porque nós limitamo-nos a ficar cada um no seu canto, a ignorarmo-nos mutuamente. E é tão difícil e tão horrível, porque eu conheço-te. Porque eu preocupo-me, ainda, muito contigo.


E tenho de calar-me e seguir sempre. Pergunto-me se também tu me olhas de soslaio para que eu não note. Talvez seja melhor nem saber, afinal de contas.

Não passamos de estranhos com memórias e com uma história longínqua. Portanto, talvez seja suposto não passarmos disso mesmo. Afinal, quem se merece, arranja sempre forma de ficar.

Eu e tu deixámo-nos de nos merecer um ao outro. E essa verdade não merece castigo, por já ser um castigo por si só.

3 comentários:

  1. Esse fim deu-me um arrepio que nem imaginas... Adoro o que escreves. Ou, diria antes, a forma como escreves e o sentimento que transpões em tudo.

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    1. Significa muito vindo de um escritor que também admiro de volta, Nuno. Muita força para ti.

      Beijinhos,
      Daniela Rosa

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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