Era uma vez dois corações com medo de falar.

e l a

Encontramo-nos num café em cima da hora. Sentas-te do meu lado e beijas-me o rosto. E é tão estranho, querer-te tão próximo da minha boca, de todas as vezes. Tropeçamos no olhar um do outro, e voltamos atrás no tempo. Estamos juntos, a brincar como crianças, na linha da costa. Salpicas-me com a água do mar e eu mando-te parar, enquanto me perco em gargalhadas. Agora, estamos numa festa, de corpos entrelaçados a dançar ao som de uma música qualquer. Agora, estamos numa cama a perdermo-nos noutra dança.

Observo-te em silêncio. Noto como mudaste. O teu penteado está diferente e os teus olhos estão mais baços e perdidos que o costume. Pareces mais magro por entre as roupas que te moldam o corpo. Falas-me das tuas aventuras, na minha ausência. Falas-me daquela rapariga com que andas a sair, há uns meses. E eu vou notando, cada vez mais, o quanto não mudaste de todo. Continuas a encolher os ombros, por entre as frases. Continuas a esboçar as mesmas covinhas à volta do sorriso. Continuas com os mesmos tiques de mãos, enquanto me escutas. Como se nunca nenhum tempo tivesse passado por nós.

Tive saudades tuas”, quero dizer-te. Mas os meus lábios permanecem em linha recta. “E se ficasses comigo, desta vez?”, tenciono perguntar-te, mas só consigo verbalizar “passas-me o açúcar?”. “Ainda te amo”, o meu coração grita para o silêncio, enquanto a minha boca se acobarda como sempre. “Deixas-me esperar por ti?”. Nada se ouve. Nada se diz.

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Telefonei-te para vires ter comigo ao café, em cima da hora. Já não conseguia lidar mais com esta distância que se apoderou entre nós. Vens ao meu encontro e é como se me lembrasse de todas as inúmeras vezes que o fizeste. Aquele dia na costa, em que te vi chegar de bicicleta, lentamente, como o sol a nascer do horizonte. Aquela festa a que te atrasaste; e que, mal ao chegares, correste para os meus braços. E aquela cama, aonde te deitaste ao meu lado, serena, tal e qual como o sol se põe.

Pareces-me diferente, mas não sei ao certo em quê. Acho que pintaste o cabelo... Sempre gostei mais da tua cor natural. E os teus olhos revelam cansaço de noites mal dormidas. Falas-me da tua vida agitada na grande cidade, tão distante de mim. Falas-me de todos os idiotas que conheceste, e que jamais te mereceriam. E, no entanto, a cada segundo breve que passa, apareces-me cada vez mais como sempre o foste. Continuas a mordiscar a língua, enquanto te concentras naquilo que eu digo. Continuas a passar a mão no cabelo, por entre cada pergunta que te faço. Continuas a cobrir o nariz, enquanto te ris. Como se nunca nenhum tempo tivesse passado por nós.

Sinto-me tão feliz contigo ao meu lado”, procuro dizer, enquanto, dos meus lábios, só me sai um “passa-me o isqueiro”. “Sentiste a minha falta, como eu senti a tua?”, quero perguntar-te, mas o meu corpo debate-se contra mim, cortando-me o fôlego e enlaçando-me um nó na garganta. “E se tentássemos só mais uma vez?”. Mas não consigo dizer absolutamente nada.


Despediram-se, de novo. Ambos com a temível dúvida a pulsar-lhes no peito. Quando é que voltariam a ver-se? Quanto tempo teria de passar, até aos seus caminhos se voltarem a cruzar? E, quando se vissem, o que iria ter mudado? Todas essas questões arrebatavam-nos como granadas, em pleno cenário de guerra. E, no entanto, nada mais se fazia ouvir, se não silêncio.

Entregaram-se a um abraço que gritava por mais. Beijaram-se no rosto, enquanto uma boca só na outra se queria poder cruzar. Cada um seguiu o seu caminho separado, sem nunca olhar para trás.

O que nenhum deles sabe, é que ambos o fizeram. Ele dera três passos, antes de bloquear no meio do passeio. Bloqueara e virara o seu olhar na direcção dela, que se afastava cada vez mais. Tentou gritar o seu nome. Tentou lutar contra o medo que lhe ia consumindo cada recanto do seu corpo. Viu-se, falhado e submerso num silêncio tão ensurdecedor, que abafava o seu próprio coração, que gritava tão alto. Desistiu e seguiu.

Ela dera cerca de oito passos, antes de bloquear no meio da passadeira. Virara-se para trás, de imediato, na direcção dele. Mas já mal conseguia detectá-lo, com tamanha distância que se fazia sentir entre ambos. Ficou parada, a vê-lo partir, até só ser capaz de ver um vulto escuro bem longe no horizonte. Pensou em correr. Pensou em juntar todas as suas forças e segui-lo simplesmente. Abraçá-lo e pedir-lhe para ficar. Mas, por alguma razão que desconhecia, não se viu capaz de o fazer.


Jamais saberão o que poderia ter acontecido, se tivessem simplesmente confessado. Se se tivessem solto de todo o medo, e de toda a dúvida, e simplesmente se entregue à vontade de ambos os seus corações, que tanto cantavam a mesma melodia. Que tanto pediam pela mesma história. E, agora, para sempre viverão na dúvida. Na dúvida do que poderiam ter sido. Do quão longe poderiam ter ido, lado a lado. E para sempre viverão no medo. No medo de jamais conseguirem encontrar algo assim – como eles o eram.

Era uma vez, era uma vez... Uma história de amor que ficou por ditar. Que ficou por escrever. Que acabou por acabar, sem sequer ter chegado ao seu fim.

Onde é que eles estão, agora? Estão algures. Algures por aí. Nunca mais se viram, nunca mais se falaram e nunca mais foram os mesmos. Ainda pensam um no outro, nos dias mais nostálgicos e solitários. Ainda pensam em combinar outro café. E, no entanto, não o fazem e permanecem ambos no silêncio. Dois corações amaldiçoados e silenciados pelo medo; condenados a nunca mais bater da mesma maneira.

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